6. Os reinos da natureza
A partir dos 3 aspectos da corporalidade humana e mais o seu espírito, ou Eu, podemos compreender por que há 4 reinos distintos na natureza.
6.1 O reino mineral
Os minerais têm apenas um Corpo Físico. Eles estão sujeitos totalmente às leis da natureza, sendo imutáveis por si próprios: é necessário haver uma ação externa ao mineral para que ele mude de estado (posição, temperatura, movimentos, formas, organização química). De fato, não se pode dizer que um cristal cresce do mesmo modo que um ser vivo. O primeiro aumenta por deposição externa, o segundo por uma transformação interior.
Quanto à forma, o mineral ou é amorfo ou tem uma forma cristalina, geométrica. Ambos são bem distintos da forma orgânica dos seres vivos. A forma cristalina é devido a forças físicas atuantes interiormente no cristal.
Finalmente, o mineral tem composição inorgânica, ao passo que o ser vivo tem composição orgânica.
6.2 O reino vegetal
As plantas têm, além de um Corpo Físico, também um Corpo Etérico, de 'substancialidade' supra-sensível. Por isso elas têm vida e todas as suas manifestações: crescimento interior, troca gasosa (ligada parcialmente à fotossíntese), reprodução, regeneração, forma vegetal típica (como já dissemos anteriormente, é necessário partir sempre da observação dos casos mais gerais, mais completos, e não das formas de transição – estas devem ser compreendidas a partir das mais gerais), com raiz, caule/tronco/galhos, folhas, flores e frutos, tecidos orgânicos, nascimento e morte.
O Corpo Físico da planta tem forma bem distinta daquele do mineral justamente devido à atuação do Corpo Etérico – a presença de um constituinte superior modifica todos os inferiores. O Corpo Etérico interage com o meio ambiente através do Corpo Físico da planta. Por isso, uma mesma espécie de planta pode assumir formas um pouco diferentes conforme a região (p. ex., ser mais ou menos alta ou grossa, chegar a desenvolver flores etc.).
Como é o Corpo Etérico, supra-sensível, que dá vida a uma planta, e produz todas as suas manifestações vitais, conjeturamos que a ciência materialista jamais chegará a uma compreensão total dos processos e das formas vegetais.
6.3 O reino animal
Vamos também partir da observação dos animais mais completos, neste caso os mamíferos. Os animais têm, obviamente, um corpo físico. Eles têm vida e as manifestações vitais que a planta também tem, se bem que em outra forma. Mas o animal tem mais um constituinte, que a planta não tem: o Corpo Astral, 'superior' ao Etérico. A sua presença modifica os Corpos Etérico e Físico em relação às plantas, daí por exemplo a forma distinta dos animais.
É devido ao Corpo Astral que o animal tem movimento, inclusive independente de estímulos exteriores: se um animal tem fome, sairá à procura de alimento independente de sentir, por exemplo, o cheiro deste. Mas além disso, o Corpo Astral permite ao animal ter sensações, sentimentos, instintos, manifestação exterior através de sons (piado, mugido, urro etc.). É por meio de sua astralidade que o animal manifesta seus sentimentos empregando sons, como um uivo de dor, um rosnado de ameaça etc. Devido a ela, um cachorro pode abanar o rabo manifestando satisfação.
Quanto à forma, é importante notar o aparecimento de órgãos ocos (coração, rins etc.). Aparece também a respiração rítmica, distinta da troca gasosa das plantas.
A presença do Corpo Astral faz com que o Corpo Etérico se impregne mais no Corpo Físico do que na planta. Com isso, a capacidade do segundo de atuar no físico diminui, de certa maneira. É por isso que, num mamífero, se se cortar uma pata ela não se regenera mais. Nesse sentido, a capacidade de regeneração dos tecidos vegetais é muito maior – devido a um 'distanciamento' maior do etérico em relação ao físico, podendo aquele mudar muito mais este último. A capacidade de regeneração de diferentes espécies de animais pode justamente ser compreendida pela maior ou menor penetração do seu Corpo Etérico no Físico, produzida pelo Corpo Astral. É óbvio que essa penetração acaba por influenciar a forma do tecido físico, mas uma determinada forma ou constituição desse tecido não é a causa, e sim o efeito da atuação supra-sensível dos outros dois corpos.
Nos animais, aparece algo inexistente na planta: a lembrança, no caso, repetição de sensações (ver o tiem 1.3). Treinando-se um rato a caminhar num labirinto em busca de um alimento, ele repetirá o caminho certo, tendo ocorrido um processo de aprendizagem inexistente nas plantas.
Nos animais ocorre ainda algo que não há nas plantas: alternância de estados de consciência, entre sono e vigília. De certo modo, a planta tem permanentemente uma consciência de sono profundo. A explicação sobre a diferença entre esses estados, um grande mistério para a ciência corrente, é relativamente simples usando-se os corpos não-físicos. Dá-la-emos, adiante, no item 7 .
Talvez ainda valha a pena citar uma explicação de Steiner sobre o fenômeno da dor. Quando há um ferimento, o animal sente dor. Ela ocorre pois o Corpo Etérico não consegue manter a forma do Corpo Físico, e reage a isso, o que é percebido pelo Corpo Astral como dor. Por meio de ação química ou física (por exemplo, pelo frio) pode-se alterar a interação dos 3 corpos de um animal, e com isso ele pode deixar de sentir dor.
6.4 O reino humano
O ser humano tem, além dos 3 constituintes corporais, os 3 aspectos da alma e ainda o espírito. A Alma Racional e da Índole, a Alma da Consciência e ainda o espírito fazem com que ele se distinga dos animais. Como vimos, a presença de constituintes superiores modifica os inferiores. Assim, já no seu Corpo Físico notamos diferenças fundamentais do ser humano em relação aos animais. Temos uma postura ereta, em forma de I (não é por coincidência que a palavra 'eu' em várias línguas começa com o som de I: 'ich', 'iá', 'io', 'yo' etc. e no inglês a própria palavra para 'eu' é um I!). Essa posição ereta, inexistente nos vários animais (atenção, as aves são bípedes mas não têm posição ereta, veja-se a forma de sua coluna vertebral; os macacos e os ursos podem ficar eretos por alguns instantes, mas logo apoiam-se nas patas dianteiras, sua posição normal de se locomover – sua coluna vertebral não tem a forma de duplo S como nos seres humanos), coloca o ser humano em uma situação de independência em relação à força da gravidade, que é tão sentida pelos animais que eles normalmente se curvam. Para ficarmos em pé precisamos estar em estado de vigília, isto é, ter toda a nossa constituição física e supra-sensível harmonicamente em funcionamento (a esse respeito, veja-se o item 7, sobre o sono). É indevido dizer que na origem éramos quadrúpedes e nossa posição ereta é 'anormal', e por isso temos problemas de coluna. Uma outra aberração é dizer que ficamos eretos quando nossos ancestrais desceram das árvores, pois eretos enxergamos mais longe – nesse caso deveríamos ter, digamos, pescoço de girafa!
Uma outra distinção do ser humano é não ter um pelo ou couro protetor, como os mamíferos, nem escamas ou penas. Esse corpo desnudo do ser humano e suas desvantagens é uma das grandes incógnitas para os evolucionistas darwinistas.
Essa questão da pele desnuda nos leva a um outro ponto. Uma outra característica da forma física única no ser humano é o fato de ele manter a sua forma embrionária, como no caso das mãos, que não são nem um pouco desenvolvidas em comparação com as patas dianteiras dos animais. Justamente por não serem desenvolvidas, não serem especializadas e permaneceram com uma forma quase embrionária é que podemos fazer com elas as coisas sutis que realizamos, desde pintar e tocar violino até acariciar.
O ser humano nasce totalmente indefeso e sem especialização (além de chorar e mamar). Já os animais nascem especializados – leva algumas horas para um potrinho pôr-se de pé, e pouco tempo para um patinho nadar. Há uma espécie de macaco que, ao nascer, já tem tanta força nas patas dianteiras que logo se agarra à mãe, podendo mamar enquanto ela salta de galho em galho.
É justamente uma característica humana levar muito tempo para amadurecer. É interessante que nos animais a maturidade sexual indica que estão adultos. No ser humano atual, quando essa maturidade se dá ao redor do 14 anos, faltam ainda cerca de 7 para que ele seja considerado adulto responsável. Essa idade de 21 anos para a maioridade civil provém de uma sabedoria antiga, que corresponde a uma realidade do desenvolvimento supra-sensível de cada ser humano (ver o item 11 abaixo). É nessa idade que no jovem o Eu passa a manifestar-se plenamente. Qualquer aceleração indevida do amadurecimento de uma criança ou jovem pode ter implicações trágicas para a vida futura; metaforicamente, é como se tivesse havido uma 'animalização' da pessoa. Os meios eletrônicos produzem justamente essa aceleração indevida (ver a respeito vários artigos em meu site, bem como meu livro Meios Eletrônicos e Educação: una visão alternativa, 3ª ed. São Paulo: Ed. Escrituras, 2005).
Uma outra característica humana é a fala, inexistente nos animais. Os primatas, por exemplo, não têm o palato côncavo como nós, essencial para a fala. Uma outra é o pensar. Por meio do pensar é que o ser humano tem auto-consciência e pode agir em liberdade (quando escolhe, pelo pensar, uma dentre várias ações possíveis). De fato, os animais sempre reagem automaticamente em cada situação. Só o ser humano pode pensar de antemão na conseqüência de seus atos e decidir contrariar um impulso interior que o levaria a exercer uma certa ação. É o caso de uma pessoa glutona que, por motivos estéticos, resolve fazer um regime rigoroso.
Finalmente, como foi visto no item 1.3, uma característica essencialmente humana é a memória. Sua sede está no corpo etérico, mas quem a consulta é o Eu. Hoje em dia, a especulação que faz a ciência corrente é que a memória está no cérebro. No entanto, não se pode localizar nele as mais simples manifestações de memória. Por exemplo, não se tem a menor idéia onde e como é armazenado nele o número 2, muito menos o numeral correspondente (que é um puro conceito, sem representação física!). O que se sabe é que certas regiões do cérebro são mais ativadas quando se têm certas lembranças (por exemplo, as áreas para a memória auditiva e a visual são distintas), que se houver lesão de certas áreas do cérebro perdem-se certas capacidades de memória etc. No entanto, não é possível tirar daí uma relação de causa-e-efeito, isto é, que essas lembranças estejam armazenadas nessas áreas; o máximo que, cientificamente, poder-se-ia afirmar, é que essas áreas estão envolvidas no processo de lembrança. A hipótese de que o 'armazenamento' se dá no corpo etérico, isto é, em algo não-físico, não contradiz, portanto, o conhecimento científico de hoje. Contradiz, isso sim, o julgamento científico que se faz a respeito.
Há várias evidências para a memória não ser física – e muito menos que ela segue a metáfora computacional, tão apreciada hoje em dia. Por exemplo, aparentemente a memória é infinita, e o ser humano guarda todas as sua vivências. Poucas delas são guardadas no consciente, podendo ser consultadas pelo Eu; a maior parte fica no inconsciente, mas podem ser lembradas em casos de hipnose, por exemplo. Qualquer um pode fazer uma experiência simples: olhar para um objeto qualquer, fechar os olhos e tentar lembrar dos seus detalhes. Logo percebe-se que a memória não é tão nítida quanto a percepção visual. Do ponto de vista do modelo aqui apresentado, a gravação no corpo etérico não se dá com a nitidez da percepção, ou a percepção da memória nesse corpo não pode ser feita pelo Eu com aquela nitidez. Ora, pelo modelo computacional, não haveria nenhuma razão para não se 'armazenar' e posteriormente consultar fisicamente todos os detalhes! Para usar um argumento evolucionista-darwinista, tão em moda hoje em dia para especular sobre qualquer processo dos seres vivos, o ser humano que guardasse fisicamente mais detalhes em sua memória teria claramente vantagens sobre os que não pudessem fazê-lo, isto é, paulatinamente seria atingido o armazenamento total da perceção sensorial. Note-se que, se o objeto observado for uma figura geométrica, pode-se lembrar dela com todos os detalhes, pois ela pode ser reconstruída no pensamento pelos seus conceitos (não-físicos!). Uma outra evidência é o esquecimento: no modelo computacional, ou algo está gravado, ou não está. Se algo está gravado, pode ser bloqueado ou desbloqueado por algumas ações, mas não temos a sensação de 'desbloquear' um acesso quando de repente, sem nenhuma causa aparente, voltamos a lembrar de algo esquecido (o nome de uma pessoa, por exemplo).
O cérebro físico é necessário pois, segundo Steiner, ele funciona como se fosse um espelho, permitindo a consciência; sem uma certa área do cérebro a memória continua existindo, mas ela não pode ser mais consultada pois perde-se a consciência que permite controlar essa consulta.
Nos exemplos que demos, a gravação na memória do Corpo Etérico provém de percepções sensoriais. Mas nele podem ser também gravadas as sensações e sentimentos vivenciados pela Alma das Sensações por meio do Corpo Astral, como por exemplo o gosto de uma fruta, uma dor em algum órgão, um medo etc.
Vê-se que, realmente, o ser humano não é um animal. Assim como o animal e a planta são seres de naturezas essencialmente diferentes, como se pode constatar pelas suas manifestações (agora sabemos por que: um tem o Corpo Astral, e o outro não), o animal e o ser humano e são seres também de naturezas essencialmente diferentes, como também se pode constatar pelas suas manifestações (agora sabemos por que: um tem um Eu, e o outro não). A ciência corrente, materialista como é, tentou por meio do darwinismo mostrar que o ser humano é um mero animal, com algumas características 'um pouco' diferentes'. Hoje em dia, a área científica da 'Inteligência Artificial' (as aspas foram propositais – não se sabe o que é inteligência, como ela pode ser artificial?) procura provar que o ser humano é uma máquina, o que é, para começo de conversa, uma expressão absolutamente errada do ponto de vista linguístico, pois todas as máquinas foram projetadas e construídas, e nenhum ser humano o foi. Para maiores detalhes, inclusive do ponto de vista espiritualista, veja-se o artigo do autor "I.A. – Inteligência Artificial ou Imbecilidade Automatizada? As máquinas podem pensar e ter sentimentos?", em meu site.
7. Sono e sonho
A partir da constituição quadrimembrada do ser humano, pode-se compreender o que se passa no sono. Como vimos em 5.2, observando-se um jovem dormindo nota-se que ele tem a manifestação de todas os seus processos vitais, como respiração, crescimento etc. Mas ele não tem consciência, movimento normal etc. Também não pensa e não apresenta a manifestação de sua individualidade superior. Tudo se passa como se o seu Corpo Astral e seu Eu não se manifestassem. Steiner afirma que na verdade existe no sono profundo uma separação desses dois em relação aos Corpos Físico e Etérico – não total, mas o suficiente para que o Corpo Astral não se manifeste, e com ele o Eu. É interessante notar que várias vezes, quando acordamos, temos a impressão de estarmos caindo: é uma imagem que formamos para essa 'queda' de nosso Corpo Astral no Corpo Etérico.
Steiner afirma que durante o sono o Corpo Astral expande-se, abrangendo todo o mundo supra-sensível associado às estrelas, daí dar-se-lhe esse nome. A sua contração ao acordar e novamente penetrar no Corpo Etérico é que dá a sensação de queda. No estado expandido no mundo astral, o Corpo Astral têm vivências de outros seres que também têm esse corpo. Do mesmo modo, o Eu vivencia aquilo que pertence ao mundo puramente espiritual (e que é 'superior' ao astral).
Vimos, em 6.4, que a memória dos seres humanos está em seu Corpo Etérico, podendo ser consultada conscientemente, por atuação do Eu. Como durante o sono o Corpo Etérico está separado do Corpo Astral e do Eu, não temos, ao acordar, a lembrança das vivências dos mesmos naquele estado.
Pode acontecer que durante o despertar haja um estado de transição, isto é, o Corpo Astral, ainda parcialmente no mundo astral, impregne levemente o Corpo Etérico. Nesse caso, haverá alguma lembrança das vivências do primeiro. Ao acordar, lembramo-nos dessas vivências, mas como elas são de natureza totalmente diversa das nossas vivências no plano físico, interpretamo-las empregando imagens provindas de nossas percepções sensoriais. Essa é a origem de certos sonhos. Eles parecem ilógicos do ponto de vista do mundo físico, pois na verdade não têm origem nele, sendo mera interpretação, em forma de imagens, de vivências astrais ou espirituais do Eu.
Os sonhos sempre nos vêm em forma de imagens, e são criados ao despertar ou ao adormecer. Às vezes essas imagens são interpretações de vivências provenientes do próprio mundo físico, como sonharmos que estamos no meio de um incêndio quando estamos cobertos em demasia, com muito calor. Um problema intestinal pode nos fazer sonhar com cobras.
O importante é notar-se que durante o sonho temos uma espécie de consciência, mas que é diferente da que temos em estado de vigília. Daí podermos resolver um problema enquanto dormimos, e acordarmos com a solução. Em estado de sono profundo, pode-se dizer que temos uma consciência de planta; em sonho, a de um animal.
8. Morte e a existência após a morte
Com o modelo quadrimembrado do ser humano, pode-se compreender de um ponto de vista espiritualista o que se passa na morte. Recordemos o que vimos em 5.1. Uma pessoa morta não tem suas manifestações vitais, o que se passa com uma pessoa que está dormindo. Se não há essas manifestações, o Corpo Etérico não está presente. Portanto, a morte é a separação não só do Corpo Astral e do Eu, como no sono, mas também do Corpo Etérico em relação ao Corpo Físico. Este, sem o Corpo Etérico, perde a capacidade de regeneração, fica entregue às forças físicas e começa a decompor-se.
Imediatamente depois da morte, temos o Corpo Etérico unido ainda ao Corpo Astral e ao Eu. Essa união permanece, segundo Steiner, durante aproximadamente 3 dias, quando o Corpo Etérico dissolve-se, sobrando um resto do mesmo no mundo etérico. Durante esse período o Corpo Astral e o Eu têm a vivência de toda a memória da vida recém-passada registrada no Corpo Etérico, sem as restrições impostas pela ligação deste com o Corpo Físico, como a seqüência do tempo. É como se houvesse a observação de um grande panorama instantâneo de tudo o que foi vivenciado durante toda a vida. Essa situação pode ocorrer em casos extremos de quase-morte, como acidentes, operações etc. No caso de acidentes, como desastres vivenciados conscientemente, afogamentos ou quedas, o choque imediatamente antes dos ou durante os mesmos pode fazer com que haja uma momentânea separação do Corpo Etérico e dos outros membros superiores em relação ao Corpo Físico. Com isso, o Corpo Astral tem a vivência da memória etérica. Como a morte realmente não ocorreu, a pessoa posteriormente lembra-se desse panorama da vida. Esse é um fato relativamente comum; muitas pessoas que tiveram essa vivência infelizmente não a contam, pois é algo que foge totalmente às experiências normais de vida. Elas temem ser tomadas como loucas. Hoje em dia, com as pesquisas de quase-morte, principalmente do Dr. R. Moody, pessoas que passam por essa experiência estão relatando-a mais do que se fazia antigamente. O interessante é que em geral as pessoas que vivenciaram seu 'panorama' passam a ter uma certeza íntima da existência do mundo espiritual. Aliás, a vivência do 'panorama' é mais uma evidência de que a memória não é física, somando-se às apresentadas no item 6.4.
A sobra do resquício do Corpo Etérico depois dos 3 dias após a morte explica certos fenômenos mediúnicos. Um médium, em geral em estado de transe – o que não corresponde à maneira como se deve fazer pesquisas hoje em dia, já que nesse estado ele não tem nenhum controle sobre suas vivências – pode entrar em contato com esse resquício de Corpo Etérico e consultar parte da memória da pessoa morta. As habilidades físicas estão também no Corpo Etérico, de modo que o médium pode no estado de transe ter as habilidades da pessoa morta, donde por exemplo os fenômenos de incorporação de cirurgiões. É importante que se compreenda que não se trata de uma incorporação do Eu do morto, mas apenas uma ligação com o citado resquício etérico.
Segundo Steiner, após esse período de 3 dias ocorre um período de cerca de 1/3 da vida passada (correspondendo mais ou menos ao tempo que a pessoa passou dormindo em sua vida), em que o Corpo Astral continua ligado ao Eu. Durante esse período há uma recordação da vida pregressa, mas com tudo ao contrário: ela se dá em retrospectiva, de trás para frente, iniciando com as experiências mais próximas da morte, indo até o nascimento; vivencia-se os efeitos dos próprios atos, por exemplo o que os outros sentiram como resultado das ações do morto. Por exemplo, se se ofendeu uma pessoa, sente-se então o que ela sentiu como conseqüência disso.
Um fato muito importante é que, estando o Corpo Astral ainda presente, todas suas cobiças continuam existindo. As que não almejavam algo espiritual, mas eram baseadas essencialmente no mundo físico, tornam-se verdadeiras torturas, pois o corpo físico não existe mais para satisfazê-las. Por exemplo, uma pessoa glutona sentirá nesse período enormes sofrimentos por não poder mais sentir o gosto da comida. Um viciado em fumo ainda sentirá a necessidade do prazer do cigarro, mas não poderá satisfazê-la. Por tudo isso é que se convencionou denominar, na Igreja Católica, de Purgatório, a uma fase pela qual passaria a alma do morto até se purificar. Na tradição oriental, essa fase é denominada de 'Kamaloka'. O antigo ascetismo tinha por finalidade desligar a pessoa de todos os prazeres terrenos, em parte para evitar os sofrimentos do 'Kamaloka'.
Uma necessidade intrínseca do Corpo Físico, como a fome, não produz sofrimento nesse período, assim como os que nascem da essência espiritual do Eu, tais como o prazer estético ou o de sentir sabores ou odores delicados ou o prazer de ajudar os outros. Assim, não se deve em absoluto eliminar todos os prazeres da vida, mas sim os que não correspondem a reais necessidades ou a motivações elevadas.
Essa fase de 1/3 da vida tem como finalidade transmitir ao Eu toda a essência da vida passada, purificá-lo e libertá-lo de qualquer ligação com a Terra.
Nessa fase retrospectiva, ao atingir o nascimento todas as cobiças ligadas à Terra terão sido 'consumidas', purificadas. Por exemplo, antipatias transformam-se em simpatias, repulsa por uma pessoa em atração a ela. Assim, o Eu pode entregar-se ao mundo espiritual, pois nada mais o prende ao mundo físico. Como depois dos 3 dias depois da morte sobrou um substrato do Corpo Etérico, depois desse período de 1/3 da vida pregressa sobra um substrato astral, restando então 3 'cadáveres': físico, etérico e astral. O Eu permanece com uma essência, uma síntese espiritual da vida passada.
O Eu passa a conviver plenamente com outros seres espirituais, e com a essência espiritual do mundo físico. Isso se dá de uma maneira peculiar: o que estava fora do ser vivente, passa a estar dentro, como o espaço ocupado por uma pedra. Não se deve imaginar o mundo espiritual como um mundo análogo ao físico. De fato, muito do primeiro passa-se, de certa maneira, ao contrário do mundo físico. Steiner menciona que não se deve imaginar o mundo espiritual como um espaço de 4 ou mais dimensões. Ao contrário, uma imagem mais adequada é a de um espaço de 2 dimensões – sem espessura não há matéria!
Normalmente, depois de centenas de anos o Eu sente uma necessidade muito grande de voltar à terra, para reparar os males feitos e progredir moralmente. Ajudado por seres puramente espirituais, envolve-se com um novo Corpo Astral. Em seguida, esse par formado pelos dois é dirigido a um casal de pais, de onde são herdados os germes do Corpo Etérico e do Corpo Físico, formando-se o feto que irá nascer posteriormente. Esse é o processo essencial da reencarnação. É importante constatar-se que sem uma conceituação de reencarnação, a vida humana não faz sentido. Por não sermos perfeitos, já que não somos apenas espírito, sempre cometemos erros durante uma vida. A impossibilidade de repará-los posteriormente e de nos aperfeiçoarmos tiraria totalmente o sentido para a vida.
Normalmente, o Eu é imortal, voltando repetidamente para novas encarnações. Sempre se falou de que talvez houvesse algo de imortal no ser humano. Deve ser bem compreendido que a imortalidade é de sua essência espiritual. Uma preocupação exagerada com a própria imortalidade poderia significar uma manifestação egoísta ("eu não vou desaparecer"). A preocupação correta deveria ser para com o conhecimento espiritual, a fim de contribuir para a melhoria da humanidade e do mundo em um sentido realmente positivo. Deveria haver uma preocupação também com a existência própria antes do nascimento: "Que impulsos eu trouxe para essa vida? Qual a minha missão do ponto de vista da humanidade e do ponto de vista cósmico? Que males eu fiz que devo reparar?"
O Eu encarna-se com vários impulsos para a vida futura, levando o indivíduo a situações em que ele pode reparar males feitos em vidas anteriores, àquelas em que ele pode progredir ou proporcionar um progresso de outras pessoas ou da humanidade. Essas situações podem envolver encontros com pessoas, visitar-se um local sem saber-se exatamente por que, pegar-se uma doença etc. Essa é em breves palavras a conceituação antroposófica de destino, de carma (k'rma). No entanto, é importantíssimo frisar que o Eu leva inconscientemente a pessoa a essas situações, mas o que ela faz em cada uma delas depende de sua decisão livre, se esta acontecer. Assim, o destino não elimina a liberdade.
O processo de encarnação leva em geral cerca de 21 anos depois do nascimento. Durante essa fase os corpos inferiores vão sendo moldados para que o Eu possa manifestar-se segundo o seu destino – desde que o meio ambiente favoreça esse processo e não o prejudique.
9. Os 4 temperamentos
Vejamos mais uma aplicação dos conceitos ligados à quadrimembração do organismo humano: os 4 temperamentos. Rudolf Steiner resgatou o ensinamento da antiga Grécia sobre eles, conceituando-os em termos dessa quadrimembração, sendo portanto uma interessante aplicação desse conhecimento.
O temperamento melancólico provém de um predomínio do Corpo Físico sobre os outros 3. Uma pessoa com esse temperamento sente em demasia a atração da gravidade, como se fosse uma carga física constante. Para ela, tudo é 'pesado', principalmente sua própria vida. Ela tem a tendência de sofrer com qualquer coisa, vivendo a lamentar-se. É típico ela perguntar-se por que suas agruras acontecem justamente com ela e não com os outros, mostrando uma característica de introspecção exagerada, tendendo a uma certa depressão. Fisicamente, muitas vezes é magra, longilínea, com olhos profundos. É o temperamento dominante hoje em dia, fruto de nossa civilização voltada para o físico.
O temperamento flegmático provém de um predomínio do Corpo Etérico. Uma pessoa com esse temperamento tem um exagero de suas função metabólicas, e como que 'rumina' tudo. Adora comer, o que faz em geral lentamente, saboreando cada garfada. Mas também 'rumina' seus pensamentos, que são em geral lentos, tendendo a uma atividade interior sonhadora. Fisicamente é uma pessoa 'aquosa' (o líquido está muito ligado ao etérico), tendendo ao excesso de peso. É um excelente temperamento para os dias de hoje, pois faz com que a pessoa se isole em seu mundo interior de sonhos, e não fique muito afetada pela agressividade e caos do mundo moderno, principalmente nas cidades.
O temperamento sangüíneo provém de um predomínio do Corpo Astral. Uma pessoa com esse temperamento tem tendência a não se concentrar em nada. É em geral muito 'aérea' (característica do Corpo Astral – lembremos o aparecimento dos órgãos ocos por sua influência), no sentido de saltitar não só fisicamente, mas até em suas ações, fala e pensamento. Em geral é magra, longilínea.
O temperamento colérico provém de um predomínio do Eu. É como se a pessoa fosse possuída por um 'fogo' interior, sempre decidida em suas atitudes e opiniões. Gosta de se impor e de mandar, e 'perde a esportiva' facilmente, revelando muito pouca paciência. Fisicamente, tende a ser baixo e atarracado – um colérico típico foi Napoleão –, pisando com passos fortes e decididos. Muitos coléricos têm um queixo saliente, sobrancelhas espessas, às vezes cabelos revoltos.
Uma conhecida ilustração pode ajudar a imaginar como se comportam pessoas que têm a predominância de um desses temperamentos. Suponhamos que uma pessoa esteja passeando por uma trilha num bosque cerrado e topa com uma pedra de cerca de 1 m de altura bloqueando o caminho. O melancólico, ao ver a pedra, lamenta-se: "Que tragédia, uma pedra no meu caminho! Isso só poderia ter acontecido comigo! E agora, o que faço? Ela vai fazer eu perder meu compromisso, arruinar minha vida, …" O flegmático admira a beleza da pedra, dá um jeito de sentar-se ou apoiar-se nela, e começa a sonhar acordado, refletindo sobre as lindas pedras que já encontrou, como seria lindo ter a garota de seus sonhos sentada sobre ela, inspira profundamente o perfume das plantas ao redor etc. O sanguíneo vem saltitando, assobiando ou cantarolando, feliz com o ar fresco do bosque e a bonita vegetação que sempre vê rapidamente, sem se concentrar em planta alguma. Salta por sobre a pedra, ensaia uns passos de dança sobre ela, salta para o outro lado e continua seu caminho alegremente, já tendo se esquecido da pedra. Já o colérico, ao ver a pedra, tem um ataque de raiva, xingando as pessoas que deveriam cuidar do caminho por não terem removido a pedra. Numa explosão, chuta violentamente a pedra, machucando seu pé e, com isso, explodindo mais ainda, dá um soco na pedra…
Cada um de nós tem dois ou mais temperamentos predominantes, podendo obviamente ocorrer o exagero de apenas um deles. O ideal é ter um equilíbrio de todos, sabendo sentir profundamente como o melancólico, manter uma certa distância do seu exterior como o flegmático, ser alegre e despreocupado como o sangüíneo, e tomar decisões levando a ações firmes como o colérico.
As crianças são em geral sangüíneas, deixando um adulto cansado sé de vê-las correr e saltitar o tempo todo (aliás, tem-se observado que cada vez menos as crianças saltitam, sendo forçadas pela educação, pelos meios de comunicação, jogos eletrônicos e computadores a penetrarem cedo demais em seu corpo físico e a um temperamento melancólico precoce). Uma recomendação pedagógica de Steiner, seguida na Pedagogia Waldorf (V. R.Lanz, A Pedagogia Waldorf – Caminho para um Ensino mais Humano. São Paulo: Antroposófica, 1998), é agrupar na classe as crianças segundo seus temperamentos. Com isso, os coléricos se agridem até gastar seu excesso de energia, os flegmáticos, de tão sonhadores, acabam achando seus vizinhos de mesmo temperamento cacetes demais, tomando assim a iniciativa de sair de sua flegma. Por outro lado, se o colérico é colocado ao lado de um melancólico, agride-o constantemente, fazendo-o sentir-se cada vez mais sofredor, 'curtindo' sua vida infeliz. O agrupamento dos alunos segundo os temperamentos também permite à professora dirigir-se especialmente a cada grupo, por exemplo contando trechos de relatos ou histórias que se adequam melhor a um ou outro temperamento. Ela pode passar para os coléricos um grande problema complexo, para os sangüíneos uma porção de probleminhas etc.
No lar, o reconhecimento dos temperamentos dos filhos pode também ajudar muito na educação. Por exemplo, pode-se preparar alimentos adequados para cada temperamento (os flegmáticos gostam muito de doce, os coléricos de temperos fortes etc.), deve-se compreender as tendências de cada filho, organizando atividades adequadas etc. Assim, um sangüíneo pode gostar muito de estudar violão, flauta, clarineta ou violino, um colérico trompete, piano (que gosta de martelar com os dedos) ou percussão, um melancólico violoncelo, um flegmático harpa ou piano (que gosta de tocar suavemente, em ondas).
10. O desenvolvimento da criança e do jovem
Uma interessante aplicação da quadrimembração do organismo humano é a descrição que Steiner dá do desenvolvimento segundo as idades, em períodos de 7 anos denominados de setênios. Claramente, no nascimento o Corpo Físico, que era dependente do corpo da mãe, ficando 9 meses ao seu abrigo, se independiza, nascendo para o mundo. O estudo do desenvolvimento do embrião é fascinante. O grande embriologista Eric Blechschmidt, que organizou o Museu de Embriologia Humana da Universidade de Göttingen (ver, por exemplo, http://www.aktion-leben.de/Abtreibung/Embryonal-Entwicklung/sld01.htm, infelizmente em alemão, mas com interessantes fotos de embriões em estágios de diferentes semanas ['Wochen', nas legendas] de idade) escreveu em um de seus livros que é impossível, a partir de um estado qualquer do embrião, prever-se quais os estados seguintes do mesmo (a menos que se usem conhecimentos prévios da evolução dos embriões). Alguns órgãos não se formam pelo uso progressivo, pois este dar-se-á apenas ao nascer, como é o caso dos pulmões. Uma das características mais interessantes dos embriões dos animais é que são todos parecidos em seu desenvolvimento inicial – parecidos ao embrião humano! Conta-se que o pioneiro no estudo dos embriões, o grande Haeckel, uma vez esqueceu-se de rotular vidros com embriões pequenos de vários animais, e não mais conseguiu classificá-los. É como se os embriões mostrassem que o ser humano é a origem de todos os animais. A idéia de Haeckel de que a ontogênese recapitula a filogênese pode, nesse sentido, ser levada muito mais longe. É também interessante notar como os macacos nascem com a cabeça redonda, como os seres humanos, mas estes conservam a forma embrionária, ao passo que aqueles desenvolvem as mandíbulas, usadas para atacar e se defender, que se tornam salientes, o crânio se alonga e músculos poderosos penetram em cavidades que vão se formando. A contrário, o ser humano conserva o aspecto relativamente redondo da cabeça. É também interessante observar que a forma da cabeça dos macacos recém-nascidos lembram seres humanos idosos.
Depois do nascimento do Corpo Físico, a criança entra em um processo de 'gestação' do Corpo Etérico, que vai 'nascer', ou tornar-se independente, aos 7 anos. Só que esse nascimento dá-se agora em relação a forças etéricas universais, que envolviam o Corpo Etérico durante o processo de seu amadurecimento. O Corpo Astral ainda existe apenas como germe, de modo que esse período é também caracterizado como o da nenhuma consciência (logo depois do nascimento) a uma subconsciência de sonho e fantasia. Durante esse setênio, a criança desenvolve a sua base física e está entregue aos processos vitais típicos do corpo etérico: alimentação, sono, metabolismo, falta de consciência. Sob o ponto de vista educacional, deve-se considerar que esse período é uma continuação daquele em que a individualidade da criança estava imersa no mundo puramente espiritual, e portanto ele deve significar uma lenta substituição das forças e influências daquele mundo. A falta da consciência significa que a criança está extremamente aberta às influências do meio ambiente e, pelo contrário, transmite a ele tudo o que se passa dentro dela, por meio de suas ações, isto é, de sua vontade. De fato, ela é essencialmente um ser volitivo: ela simplesmente não controla sua vontade como o fará depois desse período. Se uma criança nesse primeiro setênio quer alguma coisa, só distraindo-a ou fazendo a sua vontade dirigir-se a outra coisa é que ela deixa de querer a primeira. Steiner caracterizou a criança nesse período como um grande órgão sensório, de modo que é preciso tomar extremo cuidado com as vivências que ela tem, pois as influências são muito profundas. Não é à toa que a Psicanálise procura traumas nas experiências da infância: aí é que se dá a gravação mais profunda e inconsciente das vivências do novo ser. O mundo que a criança deve vivenciar é um mundo essencialmente bom e amoroso (compare-se com os horrores que as crianças estão vivenciando por meio dos meios eletrônicos). De fato, a criança vem ao mundo esperando que ele seja bom -- caso contrário não teria se encarnado! O encontro com o mal produz uma frustração inconsciente terrível nessa idade. Essa abertura ao meio ambiente leva à base do aprendizado nesse período: ela deve ser a imitação, isto é, por meio de ações feitas na presença da criança, pois as ações são atos de vontade. Contar histórias cheias de imagens é outro meio educacional muito valioso. É nesse período que ocorrerão as maiores transformações de toda a vida: os aprendizados de erguer-se e de andar, de falar e de pensar que, por sinal, deveriam processar-se nessa ordem. Steiner chama a atenção para a importância do aprender a erguer-se e equilibrar-se, o que significa para a criança uma localização no espaço, que não é feita pelos animais. Ele atribui esse impulso a uma atuação do Eu da criança, isto é, ele não é devido a forças naturais intrínsecas da mesma.
No fim do primeiro setênio, caracterizado fisicamente pela troca dos dentes, o Corpo Etérico está individualizado, liberto para ser usado pela criança por meio da memória e do pensar: é no segundo setênio que deve começar a escolarização. Com isso, pode-se por exemplo começar a fazê-la memorizar algo abstrato. É por isso que a Pedagogia Waldorf coloca as crianças na 1ª série em geral apenas depois de 6½ anos, e o aprendizado da leitura é bastante lento, por meio de muita fantasia. As letras são hoje em dia símbolos abstratos, e durante o primeiro setênio não se deve forçar a abstração intelectual e a memorização de símbolos desprovidos de realidade e de fantasia, como são nossas letras. Durante o segundo setênio o Corpo Astral é que está se desenvolvendo, e a criança e o jovem vão adquirindo cada vez mais consciência de si próprios, passando mais ou menos aos 9 anos por uma fase de primeiras perguntas existenciais ("vocês são meus pais mesmo?"). Esse desenvolvimento do Corpo Astral significa que as qualidades a ele ligadas é que devem ser cultivadas, como os sentimentos, a fantasia. Nesse período, o jovem é um ser sentimental. Assim, como no primeiro setênio a grande ferramenta educacional deve ser a imitação e o exercício da vontade por meio de brincadeiras e ações, durante o segundo setênio ela deve ser a arte: o mundo a ser apresentado deve ser belo. Todo o ensino deveria ser artístico, acompanhado de emoção e estética. O processo educacional deve girar em torno da realidade, e não da abstração. Por exemplo, no ensino de ciências o fundamental é ensinar a observar os fenômenos e a descrevê-los, e não compreendê-los abstratamente. O fim desse período é marcado pela entrada na puberdade.
Quando atinge a maturidade sexual, o animal já é plenamente adulto. Esse não é o caso do ser humano. Não é à toa que uma tradição antiga e extremamente sábia coloca a plena maioridade aos 21 anos – em nosso país, a responsabilidade civil –, depois de completado o 3º setênio. Durante este último, o Corpo Astral já se independizou e se individualizou; o que é desenvolvida é a manifestação do Eu. O Eu anseia por uma compreensão do universo, portanto a educação no 3º setênio deve começar a voltar-se para o intelecto. O mundo a ser apresentado é um mundo verdadeiro. O ensino de ciências deve agora abordar as teorias conceitualmente, tentando mostrar as possíveis explicações para os fenômenos. Mas não se deve enganar o jovem confundindo teoria com realidade, com se faz normalmente com a Teoria da Evolução, com a Teoria das Cores de Newton etc. Nessa idade é que se devem abordar teorias puramente formais, como a prova de teoremas na Matemática. É nessa fase que se deve ensinar o jovem a ser crítico – se isso é feito durante os dois primeiros setênios, prejudica-se a criança, pois ela necessita maturidade para encarar o mundo do ponto de vista conceitual, necessário para criticá-lo. Pelo contrário, nesses dois setênios qualquer crítica provocaria uma profunda decepção na criança e no jovem, pois eles esperam um mundo belo e bom. No terceiro setênio é que se deve começar a dar ao jovem plena liberdade, que não faz sentido nos períodos anteriores; nestes, o jovem sabe que não tem conhecimento e conceituação suficientes do mundo, e quer, em geral inconscientemente, sentir que está sendo guiado. Muitas vezes o jovem testa os pais, ultrapassando limites, justamente para conferir se estes estão guiando-o com atenção; imagine-se a frustração inconsciente de um jovem quando, em lugar de sentir a mão firme mas amorosa dos pais e mestres, é sujeto a uma educação libertária, sem limites!
11. Os três aspectos do espírito
Do mesmo modo que o corpo e a alma têm, cada um, três aspectos distintos, o espírito também os têm. Eles ainda estão em forma germinal no ser humano atual. O mais 'inferior' foi traduzido como Identidade Espiritual (em inglês, 'spirit self'), e aparece por uma ação consciente do Eu sobre o Corpo Astral, sendo como que este último transformado. O seguinte foi denominado de Espírito Vital e é constituído pelo Corpo Etérico transformado, espiritualizado. O terceiro é o Homem Espírito, que aparece por uma espiritualização do Corpo Físico.
A atuação do Eu sobre o Corpo Astral é a mais fácil de ser feita e de ser compreendida. Trata-se de impedir que as cobiças e egoísmos provenientes do segundo aflorem à consciência e traduzam-se em ações, pelo enobrecimento das emoções e manifestações da vontade. Todos podem ter a experiência de educar um gosto, mudando-se uma repulsa em uma atração, ou vice-versa. Por exemplo pode-se, agindo conscientemente, chegar a deixar de sentir uma vontade freqüente que existia anteriormente, como a de fumar ou de comer chocolate. Já a auto-educação do Corpo Etérico é mais complexa e difícil: por exemplo, envolveria a mudança de caráter ou de temperamento. Steiner diz que as atividades artísticas e as verdadeiramente religiosas provocam uma atuação sobre o Corpo Etérico (ver A Ciência Oculta, 'A Essência do Ser Humano'). A atuação do Eu no Corpo Físico é ainda mais difícil. Pode-se ver uma leve manifestação dessa atuação quando uma pessoa ruboriza-se de vergonha, ou na palidez de um medo. Justamente por estar 3 níveis abaixo do espiritual no ser humano, o Corpo Físico é o mais difícil de ser trabalhado pelo Eu. Obviamente, não se trata aqui de se forçar um determinado movimento físico, mas sim de atuar sobre as forças físicas mais profundas, como as que levam a um nascimento ou as que levam à desintegração. Felizmente, o ser humano normal de hoje em dia não tem a capacidade de atuar nessas profundezas do seu corpo físico, pois tem muito pouco conhecimento do mundo espiritual e responsabilidade para com ele.
Analogamente à manifestação interior do mundo físico através da Alma da Sensação, é por meio da Identidade Espiritual que o Eu entra em contato com o mundo espiritual. As manifestações do mundo espiritual dão-se por meio do que é verdadeiro e do que é bom. Pode parecer estranho que se fale do bom como algo objetivo no mundo espiritual, pois estamos acostumados a interpretá-lo como algo subjetivo, dependendo da opinião de cada um, dos costumes socias etc. No entanto, um conhecimento do que deve ser o progresso da humanidade e do universo do ponto de vista cósmico leva necessariamente a valores morais absolutos. Por exemplo, hoje em dia é ponto pacífico em boa parte do mundo que matar um ser humano não é um ato moral. Por pior que seja, nunca se pode prever se uma pessoa não irá se regenerar. Do ponto de vista antroposófico, a morte é um momento tão sagrado quanto o nascimento, e o ser humano atual não pode ter o conhecimento suficiente para determinar se uma pessoa deve ou não morrer. O Bom universal vai-se revelando a uma pessoa cada vez mais, à medida que ela aprende a entrar em contato com o espírito no universo.
É o pensamento superior da Identidade Espiritual que revela o mundo espiritual ao ser humano, isto é, a verdade e o bom universais. Em 4.2 atribuímos novas 'idéias' à Alma da Consciência. Em Teosofia, Steiner afirma que hoje em dia a Alma da Consciência e a Identidade Espiritual formam uma unidade.
O Homem Espírito constitui a individualidade humana dentro do mundo espiritual, assim como existe uma individualidade em cada ser humano físico. Essa individualidade utiliza-se de um Corpo Etérico para vivificar seu Corpo Físico. Assim o Homem Espírito emprega o Espírito Vital, que é como que um invólucro dentro do mundo espiritual, separando o Homem Espírito de outros seres espirituais. O Corpo Físico é relativamente estático depois da idade adulta. Mas o Espírito Vital vai crescendo espiritualmente à medida que o Homem Espírito vai absorvendo um alimento espiritual, pois este possui valor eterno.
Steiner toca nos extremos ao afirmar: "Pelo corpo, a alma encontra-se confinada ao mundo físico; pelo Homem Espírito, crescem-lhe asas para mover-se no mundo espiritual." (Teosofia, 'A Natureza do Homem').
FONTTE:
UMA INTRODUÇÃO ANTROPOSÓFICA À CONSTITUIÇÃO HUMANA
Valdemar W.Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
Originald e 4/2000 – esta versão 3.2: 14/2/21
Parte 3/3 – Itens 6 a 11/11
https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/const3.htm
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